sábado, 21 de maio de 2016

SOBRE O ENIGMA DO PASSADO

Francisco Joatan Freitas Santos Júnior¹
 (Texto 05)

Toda nova temática pode-se comparar alegoricamente a um parto difícil. E, recorrendo à literatura machadiana, também fará relembrar a indecisão de Brás Cubas em sua tarefa póstuma: “Algum tempo hesitei se devia abrir estas memórias pelo princípio ou pelo fim, isto é, se poria em primeiro lugar o meu nascimento ou a minha morte.” (ASSIS,  2008, p. 21). Portanto, não se nega o teor literário desse texto, logo, deve-se partir do princípio, uma vez que não se trata de caso tão trágico.
Afora as narrativas alegóricas, compreende-se a História pelo que dela fizeram os historiadores, ou seja, pelos conceitos: passado, fato histórico, documentos etc., mas, nesse texto, tentando não parecer rude, limitar-se-á ao conceito de passado.
O principal objeto de estudo da História é o passado. Mas, o que se entende por passado? Segundo Hobsbawm (1998, p. 37), “os historiadores são o banco de memória da experiência. Teoricamente, o passado – todo o passado, toda e qualquer coisa que aconteceu até hoje – constitui a História”. Seguindo o pensamento de Bloch (2001, p. 75): “O passado é, por definição, um dado que nada mais modificará. Mas o conhecimento do passado é uma coisa em progresso, que incessantemente se transforma e aperfeiçoa”. Um passado ainda “obscuro”, sujeito a investigações, não fechado em conceito definitivo, ainda não desvendado em sua constituição conceitual histórica, porquanto, é um objeto ímpar e ávido para ser interpretado enquanto conhecimento pelo historiador.
O passado é inerente à memória dos indivíduos e ao processo histórico das sociedades, no entanto, esse passado por ele mesmo é um misticismo do presente. Esse passado ideal desconhecido contempla em si os desafios que o historiador tem de se desfazer em sua pesquisa, pois o passado em seu sentido histórico só pode ser a expressão da vida social enquanto práxis humana no tempo-espaço.
Entretanto, qual a importância real da vida social para a teoria histórica? Em Marx e Engels (2007, p. 539), ela aparece nas teses sobre Feuerbach como crítica ao teoricismo metafísico: “A vida social é essencialmente prática. Todos os mistérios que seduzem a teoria para o misticismo encontram a sua solução racional na prática humana e no compreender desta prática”. No sentido geral, vida social aparece como superação do misticismo e expressão racional do fazer-se humano na prática, e na teoria histórica, torna-se fundamento da prática do historiador.
Os conceitos de passado, presente e futuro são categorias temporais e históricas difíceis de serem isoladas uma das outras, senão de forma abstrata, pois estão imbricadas na realidade histórico-cultural. Como retrata Fonseca (2014, p. 52): “Nossa opção historiográfica está intimamente relacionada à nossa postura diante do mundo”. Essa passagem esboça a influência da visão de mundo do historiador (no presente) sobre sua pesquisa, situado pelas contradições internas das sociedades do presente, sob pressões ideológicas das “lutas de classes”, que num processo invertido em direção ao passado, mas nem por isso anacrônico, é capaz de compreendê-lo em suas características próprias.
Dessa forma, o passado se revela objetivamente na práxis social dos seres humanos historicamente condicionados e sob os termos organizacionais de cada época, formando um elemento substancial e necessário para o entendimento socio-histórico do presente, com desdobramentos futuros na vida social.
Entretanto, frequentemente o homem se rebela contra as leis da História cientificista, como posto por Tolstoi (1959, p. 615): “Mas o homem, que é o objeto da História, afirma categoricamente: eu sou livre, logo não estou submetido a leis”. Na poesia como na vida, sob as condições materiais e subjetivas posta, nada mais eficaz que uma rebelião para se construir algo novo e se repensar os valores humanos.
Palavras-chaves: História, passado e práxis social.

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
ASSIS, Machado de. Memórias póstumas de Brás Cubas. Campinas: Editora Komedi, 2008.
BLOCH, Marc.  Apologia da história ou o ofício de historiador.  Prefácio Jacques Le Goff; apresentação brasileira, Lília Moritz Schwarcz; tradução André Telles. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2001.
FONSECA, Selva Guimarães. Didática e prática de ensino de história: experiências, reflexões e aprendizados. 13ª ed., rer. E ampl. Campinas, SP: Papirus, 2014.
HOBSBAWM, Eric.  Sobre história.  Tradução Cid Knipel Moreira. 5ª ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.
MARX, Karl; ENGELS, F.. A ideologia alemã: crítica da mais recente filosofia alemã em seus representantes Feuerbach, B. Bauer e Stirner, e do socialismo alemão em seus diferentes profetas. Tradução Rubens Enderle. São Paulo: Boitempo, 2007.
TOLSTOI, Léon. Guerra e paz. Tradução de Gustavo Nonnenberg. 1ª ed. 6ª impressão. Rio de Janeiro, RJ: Editora Globo, 1959.


[1] Texto apresentado na disciplina de Epistemologia das Ciências Sociais, ministrada pelo Prof. Dr. André Haguette no Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Estadual do Ceará - UECE.

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