Francisco Joatan Freitas Santos
Júnior¹
(Texto 01)
(Texto 01)
Desde os gregos antigos, com poucas
exceções, os homens buscaram explicar a realidade pela aparência dos fenômenos,
sendo que, no universo desse pensamento, os modelos mitológicos e as reflexões
filosóficas se destacaram como formas próprias de explicação da realidade. De
forma muito sutil, comentando a influência da força mitológica na relação
sujeito-objeto, György Lukács (2010, p. 40) diz: “Basta recordar a força, que
atuou por milênios, das representações mágicas sobre aquilo que é o ser”. Mas,
qual o ponto de partida da reflexão grega?
Na mitologia, os poetas Homero e
Hesíodo, respectivamente, emIlíada e Odisseia, e depois, Teogonia,
Trabalhos e Dias, explicavam o modo de vida dos homens pela ingerência e
poder dos deuses, embora que, suas explicações se distanciassem uma da outra
pelo tempo histórico: “Se em Homero o homem é metrado, dimensionado pelo ver, em
Hesíodo o métron, a medida, é oser, isto é, o
homem dimensionado pelo trabalho e pela necessidade de ser justo”. (BRANDÃO,
1986, p. 165). Em Homero, o homem entra na História como vencedor ou vencido,
como Aquiles ou Heitor, mas em Hesíodo, supostamente, o homem é enaltecido pelo
“labor” na sustentação vital da polis. (ARENDT, 2010, p. 101).
Percebe-se em Homero e Hesíodo,
nitidamente, uma separação no ponto de partida da reflexão, pois a origem
social deles se reflete no conteúdo de suas obras. Enquanto Homero parte da
destreza dos heróis e guerreiros da nobreza, Hesíodo expressa sua origem pobre
e camponesa da região da Beócia, povoado de Ascra, dimensionando o papel do
trabalho na vida dos homens, a partir da valorização da terra e da agricultura. Brandão
(1986, p. 164), entende que em Hesíodo, a “lei do trabalho é fundamentada numa
razão metafísica, quer dizer, num mito: o mito de Pandora”. Entretanto,
condizentes com a época histórica, ambos têm como referência a religiosidade
para explicar a realidade humana.
No primeiro, [Homero] o anér, o uir, o
"herói", que vive à sombra dodeus ex machina, com sua
multiplicidade de epítetos (garantia de sua nobreza), o que o afasta do ser. Em
Hesíodo, o ánthropos, o homo,isto é, o humus, o
barro, a argila, o "descendente" de Epimeteu e Pandora, o que ganha a
vida duramente com o suor de seu rosto. (BRANDÃO, 1986, p 165).
Homero e Hesíodo se distanciam um do
outro pelas diferentes relações sociais construídas em seu tempo-espaço
histórico, logo, essas relações se refletem na percepção de suas ações
políticas, de forma que, Homero compõe a sua poesia para um mundo aristocrático
e voltado para as armas, um mundo nobre e militar, diferentemente de Hesíodo
que parece compor para outro público, mais ligado ao trabalho, à natureza e à
agricultura.
No imaginário poético grego, correndo
o risco de se cometer um anacronismo mitológico, propõe-se uma reinterpretação
alegórica do Mito de Pandora, explicado por Hesíodo no mito
das Cinco Idades. O poeta explicava a origem dos males humanos pelo
viés religioso, a partir de uma vingança de Zeuscontra Prometeu que
roubara o fogo e o entregara aos homens.
Supostamente, no Mito de
Pandora, a curiosidade feminina foi o artifício dos deuses para liberar os
males humanos, representados pelo trabalho, pela dor etc., também poderia ser o
mecanismo para a libertação dos seres humanos de sua ignorância, afinal de
contas, a “esperança” ficara sequestrada na“caixa” como
possibilidade a ser alcançada.
Na alegoria, pensa-se que os
males lançados pelos deuses gregos continuariam a ser representados
pelo esforço humano de viver pelo trabalho, sendo que, da mesma forma que foram libertados
pela curiosidade bela e filosófica de uma mulher, poderiam ser
ressignificados como busca do conhecimento, possibilitando ao ser humano se
libertar do “temor irracional” representado pela “esperança”.
Na filosofia, ainda de forma
alegórica, poder-se-ia considerar a “caixa de Pandora” como
similar à problemática de determinar a prioridade existencial entre matéria e
espírito, sendo que, a revelação desse mistério poderia significar o “fim dos
deuses” ou a libertação da mente humana de todos os misticismos.
Mas, o segredo da “Caixa de
Pandora” não é mais que uma alegoria de um modelo mitológico.
Entretanto, do ponto de vista filosófico, o mistério do ponto de partida se
reveste do mito das origens que separa os filósofos entre materialistas e
idealistas.
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
ARENDT, Hannah. A condição humana. Tradução Roberto Raposo; revisão técnica: Adriano Correia. 11ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2010.
BRANDÃO, Junito de Souza. Mitologia grega. Volume1. Petrópolis, RJ: Editora Vozes Ltda., 1986.
LUKÁCS, György. Prolegômenos para uma ontologia do ser social: questões de princípios para ontologia hoje tornada possível. Tradução de Lya Luft e Rodnei Nascimento; supervisão editorial de Ester Vaisman. São Paulo: Boitempo, 2010.
[1] Texto apresentado na disciplina
de Epistemologia das Ciências Sociais, ministrada pelo Prof. Dr. André Haguette
no Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Estadual do Ceará - UECE.
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