Francisco Joatan Freitas Santos Júnior¹
(Texto 09)
A dicotomia entre
sujeito e objeto no estudo da História, paira no horizonte do pesquisador como
uma ameaça a produzir crise de credibilidade no universo da pesquisa histórica.
O aspecto da condição humana do historiador ao investigar o fato histórico, ao
tornar-se objeto e sujeito no mesmo ato de análise, propicia o surgimento de desconfianças
de não cientificidade da História e, portanto, revela alguns dilemas do seu
desenvolvimento metodológico.
Mas que cientista
social não tem esse dilema? Será que as ciências da natureza e, em particular,
as ciências biológicas, de certa forma, também não vivem esse dilema
filosófico? Mesmo resguardado de certa
distância temporal e usando devidamente as ferramentas científicas, o
historiador tende a sofrer os efeitos subjetivos da dicotomia entre sujeito e objeto. Parece afinal, ser um problema básico das teorias
sociais.
O historiador,
consciente da sua condição humana, vive o dilema de ter a si mesmo como objeto
de estudo, ao mesmo tempo em que é parte interessada nos resultados de sua
pesquisa. Por isso, “nas ciências
sociais sujeito e objeto pertencem à mesma categoria e interagem reciprocamente
um sobre o outro.” (CARR, 2002, p. 104).
Segundo Carr (2002), no
campo metodológico da teoria da História, além de sujeito e objeto, passado e
presente, paira mais adiante, a mesma dicotomia entre fatos e interpretação,
sob outras formas, envolvendo o particular e o geral, o empírico e o teórico, o
objetivo e o subjetivo.
O dilema do
historiador é um reflexo da natureza do homem. O homem, salvo nos primeiros
anos da infância e nos últimos da velhice, não é totalmente envolvido pelo seu
meio ou incondicionalmente sujeito a ele. Por outro lado, ele nunca é
totalmente independente dele nem o domina incondicionalmente. A relação do homem com seu meio é a relação
do historiador com seu tema. O historiador não é um escravo humilde nem um
senhor tirânico de seus fatos. A relação entre o historiador e seus fatos é de
igualdade e de reciprocidade. (CARR, 2002, p. 65).
O dilema da relação
entre o historiador e os fatos históricos, perdura como um impasse eterno, como
dúvida necessária e integrante da própria natureza humana. Mas, ao escolher os
fatos relevantes dentre os fatos analisados, ele terá também se definido ideologicamente.
O historiador ao escrever e analisar a História, parte da seleção dos fatos
históricos disponíveis ou conhecidos em sua pesquisa. E, nesse dilema, não há
imparcialidade, pois, o historiador inserido em sua práxis sociopolítica,
produz e reproduz o discurso que se revela como parte, enquanto conhecimento
elaborado, e sujeito que faz repensar o meio social, assim, ele interfere como
“cúmplice” construtor e crítico dessa realidade social. “O historiador é
necessariamente um selecionador. A convicção num núcleo sólido de fatos
históricos que existem objetiva e independentemente da interpretação do
historiador é uma falácia absurda, mas que é muito difícil de erradicar” (CARR,
2002, p. 48).
Alguns historiadores
acreditam na ideia de “neutralidade”, com o sentido de “cientificidade” na
História, ou seja, como se fosse possível determinar objetivamente a diferença
entre o fato histórico e um fato sem relevância. Como se o historiador não
tivesse de fazer escolha, mas apenas determinar o fato por suas características
inerentes. Como se ele estivesse acima das classes sociais ou nem existissem
classes, e só pelos fatos, o historiador pudesse identificar os “heróis” e os “bandidos”
na História, como se por um “ato divino” o historiador pudesse “separar o joio
do trigo”.
Mas, qual o critério
científico que nos possibilita ter essa certeza ao definir essa diferença? Por acaso, os critérios seriam baseados nos
documentos oficiais, extraoficiais ou no juízo do senso comum na aceitação dos
fatos?
Para os pesquisadores
positivistas que acreditam na objetividade da História, sinônimo de
“cientificidade”, é como se a realidade falasse por si mesma, sem intermediação
subjetiva do ser humano, daí certas afirmações: “contra fatos não há
argumentos”. No entanto, há sempre argumentos contra fatos forjados e até
contra fatos reconhecidos, por isso, a responsabilidade do historiador enquanto
selecionador e investigador dos fatos históricos, se não quiser ser desmoralizado
em sua credibilidade ou ser julgado pelo devir histórico.
Entretanto, se o
passado não pode mudar, nosso presente pode está aberto a aprender e
influenciar o futuro, de forma que a partir da seleção e interpretação dos
fatos históricos, se estabeleça uma relação ou um diálogo entre passado e
presente num processo contínuo e interativo. Na História é o presente (ou o
final) que revela a relevância dos fatos do passado.
Palavras-chaves: História, metodologia, sujeito e objeto.
BIBLIOGRAFIA
CARR,
E. H. Que é História? Conferências
George Macaulay Trevelyan proferidas por E. H. Carr na Universidade de
Cambridge, janeiro-março de 1961.
Tradução Lúcia Maurício de Alverga, revisão técnica Maria Yedda
Linhares. - Rio de Janeiro: Paz e Terra,
8ª ed., 2002.
[1] Texto apresentado na disciplina de Epistemologia das Ciências Sociais, ministrada pelo Prof. Dr. André Haguette no Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Estadual do Ceará - UECE.
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