terça-feira, 8 de outubro de 2019

A polarização ideológica nas eleições dos Conselhos Tutelares


No último domingo, 6 de outubro, ocorreram as eleições para os Conselhos Tutelares de praticamente todos os municípios do país, sendo um total aproximado de 30.000 conselheiros nos 5.956 Conselhos, visando à proteção de crianças e adolescentes, de acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). O mandato dos Conselheiros será para o quadriênio 2020-2024.

Veja o resultado eleitoral no Ceará:

Foto: https://www.facebook.com/conselhotutelarfortaleza/
A eleição está sendo investigada pelo Ministério Público do Ceará (MPCE), considerando as inúmeras denúncias de irregularidades, como campanhas dentro dos locais de votação, compra de votos e transporte ilegal de eleitores. Portanto, apesar da divulgação do resultado, o processo eleitoral ainda está indefinido, pois ainda cabem recursos administrativos para possível nulidade.

A particularidade dessa eleição, segundo reportagem de Felipe Betim, do El país Brasil, “é que a polarização da disputa eleitoral do ano passado se repete, agora com o componente religioso ainda mais forte”. Este pleito está inserido no mesmo contexto de acirramento ideológico das últimas eleições presidenciais, com embates políticos entre progressistas, conservadores e reacionários. A eleição foi elevada à condição de um campo de batalha entre forças aparentemente inconciliáveis, como por exemplo, a superficial divisão entre evangélicos e católicos, pois esses setores religiosos disputam o mesmo terreno conservador em prol da redução da maioridade penal.

Setores reacionários e conservadores pretendem utilizar o espaço dos Conselhos para pressionar internamente os organismos, visando fortalecer as concepções que propõem a redução da maioridade penal, o endurecimento das leis de repressão aos adolescentes infratores, o questionamento da chamada ideologia de gênero e da sexualidade nas escolas, entre outros objetivos. Nesse sentido, evangélicos e católicos parecem comungar dessas mesmas ideias.

Essas propostas são evidentemente contrárias ao estabelecido no ECA, e no caso da redução da maioridade penal, em última instância, ela puniria de forma absoluta somente o adolescente e desresponsabilizaria relativamente o estado e sua família sobre os atos transgressivos deles. A redução não cumpriria o papel de recuperação desses jovens, mas serviria de simples punição e ato vingativo, além de não acalentar as vítimas. E assim, como já acontece com os adultos aprisionados que não são recuperados, também não seria diferente se essas mesmas medidas de aprisionamento fossem adotadas aos adolescentes infratores.

O campo progressista, alinhado aos movimentos sociais, timidamente desencadeou uma campanha aberta nas redes sociais para incentivar o voto em conselheiros mais afinados com a defesa dos direitos legais de crianças e adolescentes.

Conforme as normas constitucionais, os eleitos deverão defender o que está escrito na lei do ECA, e dela não poderão se afastar sobre risco de sansões por improbidade administrativa, portanto, os Conselheiros deverão cumprir em tese a lei do ECA, independentemente das colorações religiosas e ideológicas dos eleitos. Essa legalidade, no entanto, não tem garantido efetivamente os direitos dos adolescentes.

Em todo caso, essa polarização reflete algo mais profundo que um simples embate eleitoral, pois envolve elementos das crises do capitalismo e das lutas de classes no Brasil, e mesmo em nível mundial. Nessa conjuntura, juntam-se as denúncias do Intercept sobre a Vaza-Jato, a novela da prisão do Lula, os efeitos da política do governo Bolsonaro, o desemprego e abandono das políticas sociais, a recessão econômica, a não devida apuração da morte da Vereadora Marielle Franco, entre outros acontecimentos.

No quadro geral, em grau maior ou menor, cada tema destes tem suas inevitáveis peculiaridades e efeitos, sendo que todos eles estão sob a égide da crise e de suas consequências socioeconômicas, políticas e culturais. Mas, o resultado dessas disputas é incerto, pois ainda se está vivendo o frescor dos embates políticos, com um novo capítulo nas eleições do próximo ano.

Referências:






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