Francisco Joatan Freitas Santos Júnior¹
(Texto 07)
Toda ciência precisa
determinar o seu objeto de estudo. No caso da História, o objeto se encontra
numa indefinição conceitual, marcado por disputas com as ciências sociais e entre
as próprias expressões historiográficas. Mas, segundo Popper (1982, p. 55):
“Não há fontes últimas do conhecimento. Toda fonte, todas as sugestões são
bem-vindas; e todas as fontes e sugestões estão abertas ao exame crítico”.
Glénisson (1983) apresenta
o objeto da pesquisa histórica a partir de uma separação didática: objeto
intelectual identificado como fato histórico e objeto material, referindo-se ao
documento. No entanto, é muito estranha essa dicotomia entre objeto intelectual
e material, pois, um objeto intelectual sem prova de materialidade é pura especulação
metafísica, como também é insuficiente o argumento de que objeto intelectual e material
seja a mesma coisa, numa representação exata.
Destarte, considere-se
que o objeto intelectual da História é o fato histórico. Mas como defini-lo? Por que razões é um fato histórico? O fato existe no documento? Em que medida? Existe
diferença entre documento e fonte histórica? Não pretendemos estabelecer respostas
fechadas, mas apenas dúvidas reflexivas.
A resposta dos pesquisadores,
desde o século XIX, tem passado da certeza do positivismo científico à dúvida
do relativismo, de forma que o conceito parece indeterminado, pra não dizer
confuso. Diz Glénisson, (1983, p. 124-125): “Deveras, o que se entende
comumente por ‘fatos históricos’, são os fenômenos materiais, as coisas que
acontecem aos homens: os acontecimentos”. Já os historiadores positivistas,
Langlois e Seignobos defendem que o fato histórico é a “matéria-prima da
História”, e assim, classificam-no em “fatos materiais conhecidos pelos
sentidos (condições materiais: atos dos homens) e fatos de natureza psíquica
(sentimentos, ideias, impulsos), acessíveis somente à consciência” (GLÉNISSON,
1983, p. 126).
Nos
ditames das ciências naturais, para um fato receber a alcunha de científico,
precisaria ser “suscetível de repetição”, testado em laboratório ou que pudesse
ser controlado experimentalmente. Porém, por suas dimensões e
imprevisibilidade, é muito improvável que um fato possa ser reconstruído em
laboratório, parecendo deslizar entre a sua objetividade e a subjetividade do historiador, como se pairasse num limbo metafísico
do estudo teórico.
Popper (1974, p. 39), sobre a lógica do conhecimento e
a crítica aos dogmatismos reconhece: “Admito, com sinceridade que, ao formular
minhas propostas, fui guiado por juízos de valor e por algumas predileções de
ordem pessoal”. Assim, neste ambiente de quase “pecado subjetivo”, precisamos determinar
as qualidades do fato e identificar sua importância.
“O fato
histórico é um fato social”. Eis o que
já pretendia demonstrar LévyBruhl.
“Merecerá”, escreve ele, “a qualificação de fato histórico, todo fato
passado tal como se refletir na consciência coletiva, e a importância histórica
destes fatos medir-se-á pela importância que tiveram na sequencia dos fatos da
mesma ordem.” (GLÉNISSON, 1983, p. 129).
Dessa forma, mesmo que
todo fato seja histórico, por ser constituinte de reflexão e ação humana,
dificilmente ele será uniforme em seu valor e importância. O historiador terá
que fazer escolha e correr o risco subjetivo no exame dos fatos, independente
do critério que utilizar, seja cronológico, quantitativo ou de qualidade. O
historiador é alguém que faz escolhas entre fatos primários e secundários, de acordo
com a afirmação de Carr (2002, p. 48): “O historiador é necessariamente um selecionador”,
significando que os fatos secundários não são descartáveis, mas cumprem
papéis diferentes no processo de registro histórico.
O fato histórico enquanto objeto de estudo expressa um elemento de constituição
da possibilidade científica da História, coadunando-se com a afirmação de Hamdlin
(1982, p. 109): “Toda fonte é primária com respeito ao momento no qual foi
feita ou escrita; e nenhuma é fidedigna exceto para os assuntos dos quais ela
fornece o registro”. No exercício de pensar a História damos um passo teórico
de cada vez, pois assim caminha o historiador.
Palavras-chaves:
História,
fato histórico e conhecimento.
BIBLIOGRAFIA
CARR, Edward Hallet. Que é História? Conferências George
Macaulay Trevelyan proferidas por E. H. Carr na Universidade de Cambridge,
janeiro-março de 1961. Tradução Lúcia
Maurício de Alverga, revisão técnica Maria Yedda Linhares. 8ª edição. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002.
GLÉNISSON, Jean. Iniciação aos Estudos Históricos. 4ª
edição. São Paulo: DIFEL, 1983.
HANDLIN, Oscar. A verdade na história. Tradução de
Luciana Silveira de Aragão e Frota e Yone Dias Avelino; Revisão José Eduardo
Ribeiro Moretzsohn. São Paulo: Martins Fontes [Brasília]. Ed. Universidade de
Brasília, 1982.
POPPER, K.R. A
lógica da pesquisa científica. São Paulo: Ed. CULTRIX, 1974.
_______. Conjecturas
e refutações. Brasília: Ed. UNB, 1982.
[1] Texto apresentado na disciplina de Epistemologia
das Ciências Sociais, ministrada pelo Prof. Dr. André Haguette no Programa de
Pós-graduação em Educação da Universidade Estadual do Ceará - UECE.
Nenhum comentário:
Postar um comentário