quarta-feira, 18 de maio de 2016

O MISTÉRIO DO PONTO DE PARTIDA

Francisco Joatan Freitas Santos Júnior¹
(Texto 01)

Desde os gregos antigos, com poucas exceções, os homens buscaram explicar a realidade pela aparência dos fenômenos, sendo que, no universo desse pensamento, os modelos mitológicos e as reflexões filosóficas se destacaram como formas próprias de explicação da realidade. De forma muito sutil, comentando a influência da força mitológica na relação sujeito-objeto, György Lukács (2010, p. 40) diz: “Basta recordar a força, que atuou por milênios, das representações mágicas sobre aquilo que é o ser”. Mas, qual o ponto de partida da reflexão grega?
Na mitologia, os poetas Homero e Hesíodo, respectivamente, emIlíada e Odisseia, e depois, Teogonia, Trabalhos e Dias, explicavam o modo de vida dos homens pela ingerência e poder dos deuses, embora que, suas explicações se distanciassem uma da outra pelo tempo histórico: “Se em Homero o homem é metrado, dimensionado pelo ver, em Hesíodo o métron, a medida, é oser, isto é, o homem dimensionado pelo trabalho e pela necessidade de ser justo”. (BRANDÃO, 1986, p. 165). Em Homero, o homem entra na História como vencedor ou vencido, como Aquiles ou Heitor, mas em Hesíodo, supostamente, o homem é enaltecido pelo “labor” na sustentação vital da polis. (ARENDT, 2010, p. 101).
Percebe-se em Homero e Hesíodo, nitidamente, uma separação no ponto de partida da reflexão, pois a origem social deles se reflete no conteúdo de suas obras. Enquanto Homero parte da destreza dos heróis e guerreiros da nobreza, Hesíodo expressa sua origem pobre e camponesa da região da Beócia, povoado de Ascra, dimensionando o papel do trabalho na vida dos homens, a partir da valorização da terra e da agricultura. Brandão (1986, p. 164), entende que em Hesíodo, a “lei do trabalho é fundamentada numa razão metafísica, quer dizer, num mito: o mito de Pandora”. Entretanto, condizentes com a época histórica, ambos têm como referência a religiosidade para explicar a realidade humana.
No primeiro, [Homero] o anér, uir, o "herói", que vive à sombra dodeus ex machina, com sua multiplicidade de epítetos (garantia de sua nobreza), o que o afasta do ser. Em Hesíodo, o ánthropos, homo,isto é, o humus, o barro, a argila, o "descendente" de Epimeteu e Pandora, o que ganha a vida duramente com o suor de seu rosto. (BRANDÃO, 1986, p 165).

Homero e Hesíodo se distanciam um do outro pelas diferentes relações sociais construídas em seu tempo-espaço histórico, logo, essas relações se refletem na percepção de suas ações políticas, de forma que, Homero compõe a sua poesia para um mundo aristocrático e voltado para as armas, um mundo nobre e militar, diferentemente de Hesíodo que parece compor para outro público, mais ligado ao trabalho, à natureza e à agricultura.
No imaginário poético grego, correndo o risco de se cometer um anacronismo mitológico, propõe-se uma reinterpretação alegórica do Mito de Pandora, explicado por Hesíodo no mito das Cinco Idades. O poeta explicava a origem dos males humanos pelo viés religioso, a partir de uma vingança de Zeuscontra Prometeu que roubara o fogo e o entregara aos homens.
Supostamente, no Mito de Pandora, a curiosidade feminina foi o artifício dos deuses para liberar os males humanos, representados pelo trabalho, pela dor etc., também poderia ser o mecanismo para a libertação dos seres humanos de sua ignorância, afinal de contas, a “esperança” ficara sequestrada na“caixa” como possibilidade a ser alcançada.
Na alegoria, pensa-se que os males lançados pelos deuses gregos continuariam a ser representados pelo esforço humano de viver pelo trabalho, sendo que, da mesma forma que foram libertados pela curiosidade bela e filosófica de uma mulher, poderiam ser ressignificados como busca do conhecimento, possibilitando ao ser humano se libertar do “temor irracional” representado pela “esperança”.
Na filosofia, ainda de forma alegórica, poder-se-ia considerar a “caixa de Pandora” como similar à problemática de determinar a prioridade existencial entre matéria e espírito, sendo que, a revelação desse mistério poderia significar o “fim dos deuses” ou a libertação da mente humana de todos os misticismos. 
Mas, o segredo da “Caixa de Pandora” não é mais que uma alegoria de um modelo mitológico. Entretanto, do ponto de vista filosófico, o mistério do ponto de partida se reveste do mito das origens que separa os filósofos entre materialistas e idealistas. 

Palavras-chaves: Alegoria, mitologia e filosofia.


BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

ARENDT, Hannah. A condição humana. Tradução Roberto Raposo; revisão técnica: Adriano Correia. 11ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2010. 

BRANDÃO, Junito de Souza. Mitologia grega. Volume1. Petrópolis, RJ: Editora Vozes Ltda., 1986.

LUKÁCS, György. Prolegômenos para uma ontologia do ser social: questões de princípios para ontologia hoje tornada possível. Tradução de Lya Luft e Rodnei Nascimento; supervisão editorial de Ester Vaisman. São Paulo: Boitempo, 2010.


[1] Texto apresentado na disciplina de Epistemologia das Ciências Sociais, ministrada pelo Prof. Dr. André Haguette no Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Estadual do Ceará - UECE.

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