sábado, 21 de maio de 2016

SOBRE O ENIGMA DO PASSADO

Francisco Joatan Freitas Santos Júnior¹
 (Texto 05)

Toda nova temática pode-se comparar alegoricamente a um parto difícil. E, recorrendo à literatura machadiana, também fará relembrar a indecisão de Brás Cubas em sua tarefa póstuma: “Algum tempo hesitei se devia abrir estas memórias pelo princípio ou pelo fim, isto é, se poria em primeiro lugar o meu nascimento ou a minha morte.” (ASSIS,  2008, p. 21). Portanto, não se nega o teor literário desse texto, logo, deve-se partir do princípio, uma vez que não se trata de caso tão trágico.
Afora as narrativas alegóricas, compreende-se a História pelo que dela fizeram os historiadores, ou seja, pelos conceitos: passado, fato histórico, documentos etc., mas, nesse texto, tentando não parecer rude, limitar-se-á ao conceito de passado.
O principal objeto de estudo da História é o passado. Mas, o que se entende por passado? Segundo Hobsbawm (1998, p. 37), “os historiadores são o banco de memória da experiência. Teoricamente, o passado – todo o passado, toda e qualquer coisa que aconteceu até hoje – constitui a História”. Seguindo o pensamento de Bloch (2001, p. 75): “O passado é, por definição, um dado que nada mais modificará. Mas o conhecimento do passado é uma coisa em progresso, que incessantemente se transforma e aperfeiçoa”. Um passado ainda “obscuro”, sujeito a investigações, não fechado em conceito definitivo, ainda não desvendado em sua constituição conceitual histórica, porquanto, é um objeto ímpar e ávido para ser interpretado enquanto conhecimento pelo historiador.
O passado é inerente à memória dos indivíduos e ao processo histórico das sociedades, no entanto, esse passado por ele mesmo é um misticismo do presente. Esse passado ideal desconhecido contempla em si os desafios que o historiador tem de se desfazer em sua pesquisa, pois o passado em seu sentido histórico só pode ser a expressão da vida social enquanto práxis humana no tempo-espaço.
Entretanto, qual a importância real da vida social para a teoria histórica? Em Marx e Engels (2007, p. 539), ela aparece nas teses sobre Feuerbach como crítica ao teoricismo metafísico: “A vida social é essencialmente prática. Todos os mistérios que seduzem a teoria para o misticismo encontram a sua solução racional na prática humana e no compreender desta prática”. No sentido geral, vida social aparece como superação do misticismo e expressão racional do fazer-se humano na prática, e na teoria histórica, torna-se fundamento da prática do historiador.
Os conceitos de passado, presente e futuro são categorias temporais e históricas difíceis de serem isoladas uma das outras, senão de forma abstrata, pois estão imbricadas na realidade histórico-cultural. Como retrata Fonseca (2014, p. 52): “Nossa opção historiográfica está intimamente relacionada à nossa postura diante do mundo”. Essa passagem esboça a influência da visão de mundo do historiador (no presente) sobre sua pesquisa, situado pelas contradições internas das sociedades do presente, sob pressões ideológicas das “lutas de classes”, que num processo invertido em direção ao passado, mas nem por isso anacrônico, é capaz de compreendê-lo em suas características próprias.
Dessa forma, o passado se revela objetivamente na práxis social dos seres humanos historicamente condicionados e sob os termos organizacionais de cada época, formando um elemento substancial e necessário para o entendimento socio-histórico do presente, com desdobramentos futuros na vida social.
Entretanto, frequentemente o homem se rebela contra as leis da História cientificista, como posto por Tolstoi (1959, p. 615): “Mas o homem, que é o objeto da História, afirma categoricamente: eu sou livre, logo não estou submetido a leis”. Na poesia como na vida, sob as condições materiais e subjetivas posta, nada mais eficaz que uma rebelião para se construir algo novo e se repensar os valores humanos.
Palavras-chaves: História, passado e práxis social.

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
ASSIS, Machado de. Memórias póstumas de Brás Cubas. Campinas: Editora Komedi, 2008.
BLOCH, Marc.  Apologia da história ou o ofício de historiador.  Prefácio Jacques Le Goff; apresentação brasileira, Lília Moritz Schwarcz; tradução André Telles. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2001.
FONSECA, Selva Guimarães. Didática e prática de ensino de história: experiências, reflexões e aprendizados. 13ª ed., rer. E ampl. Campinas, SP: Papirus, 2014.
HOBSBAWM, Eric.  Sobre história.  Tradução Cid Knipel Moreira. 5ª ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.
MARX, Karl; ENGELS, F.. A ideologia alemã: crítica da mais recente filosofia alemã em seus representantes Feuerbach, B. Bauer e Stirner, e do socialismo alemão em seus diferentes profetas. Tradução Rubens Enderle. São Paulo: Boitempo, 2007.
TOLSTOI, Léon. Guerra e paz. Tradução de Gustavo Nonnenberg. 1ª ed. 6ª impressão. Rio de Janeiro, RJ: Editora Globo, 1959.


[1] Texto apresentado na disciplina de Epistemologia das Ciências Sociais, ministrada pelo Prof. Dr. André Haguette no Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Estadual do Ceará - UECE.

TEOR ÉTICO DO TRABALHO EM MARX

Francisco Joatan Freitas Santos Júnior¹
 (Texto 04)

Marx tem uma visão do trabalho na sociedade capitalista enquanto instância negativa e positiva, por isso, é capaz de reconhecer a dimensão ampla do trabalho descrevendo-o como instância criadora, como atividade exclusivamente humana e promotora do humano. Quando o homem interfere na natureza usando suas energias, transforma-a em utilidade para si e por ele é transformado, daí a afirmação de Marx (2013, p. 255): “Pressupomos o trabalho numa forma em que ele diz respeito unicamente ao homem”.
Na concepção marxista se encontra implicado uma dimensão positiva do trabalho, na qual nenhum ser humano está isento do trabalho para manutenção da própria vida. “O trabalho é, antes de tudo”, segundo Marx (2013, p. 255), “um processo entre o homem e a natureza, processo este em que o homem, por sua própria ação, medeia, regula e controla seu metabolismo com a natureza”.
Arrisca-se dizer que a reflexão marxiana a respeito do trabalho alcança uma análise ética. Isso se dá por não tirar do trabalho sua centralidade, e, assim, investigar o trabalho em seu confronto com o existir do homem. É ético porque visualiza uma posição moral no seio da relação de produção, onde o homem “possuidor de dinheiro”, no contexto da sociedade de mercado, estabelece uma relação de troca com seu semelhante em que a sua “capacidade de trabalho, ou força de trabalho”, mera ferramenta de produção, é exposta à venda “como mercadoria no mercado” (MARX, 2013, p. 242).
Jacob Gorender, ao contrário, considera que nos Manuscritos “Marx ainda não podia explicar a situação de desapossamento da classe operária por um processo de exploração”, e que, portanto, havia uma “[...] impossibilidade de superar a concepção ética (não científica) do comunismo” (MARX, 2013, p. 19-20). Diferentemente de Gorender, pensa-se que em O Capital, a concepção ética subsiste de forma implícita na denúncia das condições de vida dos trabalhadores, ao mesmo tempo, em que elabora uma crítica científica ao trabalho abstrato, enquanto instância de alienação objetiva que expropria as energias vitais do trabalhador, na perspectiva de sua superação. Nesses termos, enquanto denúncia fática, não haveria uma posição ética em Marx?
A visão marxista em torno da categoria trabalho se explica na compreensão de que na sociedade capitalista o trabalho aparece como instância exploradora e negadora da existência humana. Cabe explicar, que não se trata de uma oposição gratuita ao trabalho, mas uma crítica a um modelo específico de trabalho, ou seja, o trabalho abstrato que soe acontecer no interior das sociedades de mercado. Assim, como toda sua teoria, não apenas o trabalho está posto enquanto crítica dessa sociedade, mas a sua própria teoria aprofunda o questionamento sobre as bases materiais da exploração capitalista com força e consistência epistêmica.
O trabalho, nesse contexto, emerge como a mola propulsora do capitalismo. Esse operário, sinônimo de produção, é paradoxalmente, tratado pelo capitalista apenas como ferramenta, tendo em conta que seu salário não expressa a riqueza que o mesmo produz, ao contrário, só serve como base de reprodução da existência, para poder retornar cotidianamente como operário ao posto de produção. A riqueza por ele gerada fica acumulada para o proprietário. Esse trabalho abstrato em que o operário não tem acesso ao seu produto é criticado por Marx (2013). Tendo em vista que o fenômeno que emerge dessa relação é do produto que se opõe ao seu criador, a sociedade de mercado subverte os valores de tal modo que a coisa ganha status de persona e a pessoa é reduzida à coisa. O trabalho abstrato, portanto, coisifica o homem.
Contudo, a invasão sofrida por essa dimensão do trabalho, pelo trabalho abstrato, que reduz tudo a produto, inclusive o próprio homem, é que se torna alvo de investigação e crítica de Marx.
A teoria de Marx é, sobretudo, uma teoria do engajamento social. Percorre seu pensamento uma ética. Não uma ética no sentido burguês de ser, em que a manutenção da situação vigente deva ser preservada, mas uma ética que considera o ser humano enquanto tal, e não apenas como instrumento em uma linha de produção.         
Palavras-chaves: Trabalho, ética e marxismo.

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
MARX, Karl. O capital - crítica da economia política - Livro I: o processo de produção do capital. Tradução de Rubens Enderle. São Paulo: Boitempo, 2013.

[1] Texto apresentado na disciplina de Epistemologia das Ciências Sociais, ministrada pelo Prof. Dr. André Haguette no Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Estadual do Ceará - UECE.

A DÉMARCHE DA PESQUISA

Francisco Joatan Freitas Santos Júnior¹
 (Texto 03)

Toda pesquisa científica parte do estudo de um fenômeno pouco conhecido em direção aos aspectos mais desconhecidos de um fenômeno, por isso, todo começo é um desafio. Nesse raciocínio, Bloch (2001, p. 67) considera que “a démarche natural de qualquer pesquisa é ir do mais ou menos mal conhecido ao mais obscuro”.
De fato, o começo de toda pesquisa social-científica é um complexo de incertezas. Marx (2013, p. 77), no prefácio à 1ª edição de O Capital sentencia: “Todo começo é difícil, e isso vale para toda ciência”. No entanto, pelo conjunto de sua obra, Marx deixou transparecer o “estado de espírito” de um investigador abnegado e que por toda a sua vida se dedicou a desvelar os difíceis liames do capitalismo. No mais, em relação a qualquer experiência de produção textual de Marx, o desafio desse texto é infinitamente menor.
Mas, quais os passos fundamentais de uma pesquisa social? Partindo da dúvida sobre seu próprio pensamento, Descartes (2000, p. 41), mentor da ciência moderna, afirma: “Penso, logo existo”. Outros partem dessa certeza numa sequência a moda cartesiana: objeto, problematização, hipótese, metodologia, relevância. Do ponto de vista ideal, alguns filósofos querem saber a “verdade” sobre si mesmo, o universo, um objeto qualquer. Talvez, o primeiro momento da ciência seja desafiar o senso comum e indagar sobre o que está por trás do óbvio.
Noutra direção, na tentativa de superar o idealismo em ciências sociais, a tradição marxista parte do pressuposto teórico-metodológico do materialismo histórico, considerando que a condição técnica para o progresso de qualquer trabalho científico, em termos dialéticos, é sempre vislumbrar a totalidade do real, numa relação que parte dos aspectos mais simples aos mais complexos e vice-versa.
O objeto de toda pesquisa social na perspectiva marxista situa-se historicamente num tempo e espaço determinado, compreendendo-se que “tempo e espaço são categorias construídas que se desenvolvem em determinado momento e espaço históricos” (MAIA FILHO et al., 2014, p. 9). A tradição marxiana, grosso modo, parte do pressuposto de que as bases econômicas da sociedade, sob a égide do sistema mundial produtor de mercadorias, são fundamentais na análise de qualquer objeto de estudo. Portanto, conforme o contexto sócio-histórico, o objeto de estudo e os objetivos da pesquisa, e nos limites de tempo exigido, as categorias de análises próprias da pesquisa social podem ser o próximo passo a ser explicitado por um pesquisador.
Do ponto de vista epistemológico, subtende-se, a priori, que a ciência investiga uma realidade objetiva apoiada numa reflexão filosófica, e provavelmente, utiliza-se de procedimentos metodológicos rígidos na tentativa de apreensão da realidade concreta pelo pensamento abstrato. Emir Sader diz, na apresentação do clássico livro A Ideologia Alemã, que a “busca do conhecimento e da verdade pelo pensamento humano partiu sempre da dicotomia entre sujeito e objeto” (MARX; ENGELS, 2007, p. 9). Mas, como superar essa dualidade metafísica? Como perceber o movimento real entre sujeito e objeto? A superação dessa dicotomia continua sendo uma questão posta a todos os grandes filósofos.
O viés epistemológico que discute a relação entre sujeito e objeto, a determinação da matéria como anterior ao espírito, ou vice-versa, ergue-se como “campo de batalha” por excelência do pensamento filosófico, por ser o espaço de reflexão sobre o caráter e a natureza da realidade. Mesmo após a dialética recuperada por Hegel e depois “invertida” por Marx, a relação epistemológica entre matéria e espírito continua sendo um problema filosófico cheio de controvérsias e de quase nenhum consenso.
Palavras-chaves: Pesquisa, objeto e epistemologia.

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
BLOCH, Marc.  Apologia da história ou o ofício de historiador.  Prefácio Jacques Le Goff; apresentação brasileira, Lília Moritz Schwarcz; tradução André Telles. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2001.
DESCARTES, René. Discurso do método: regras para a direção do espírito. Tradução de Pietro Nassetti. São Paulo: Editora Martin Claret, 2000.
MARX, Karl; ENGELS, F.. A ideologia alemã: crítica da mais recente filosofia alemã em seus representantes Feuerbach, B. Bauer e Stirner, e do socialismo alemão em seus diferentes profetas (1845-1846). Supervisão editorial Leandro Konder; tradução, Rubens Enderle, Nélio Schneider, Luciano Cavini Martorano. São Paulo: Boitempo, 2007.
MARX, Karl. O capital - crítica da economia política - Livro I: o processo de produção do capital. Tradução de Rubens Enderle. São Paulo: Boitempo, 2013.
MAIA FILHO, O. N.; Chaves, Hamilton Viana; Ribeiro, Luis Távora Furtado; Sousa, Natalia Dias de Sousa. O impacto da aceleração tempo-espaço nas relações de produção. – In: Cadernos de Pesquisa, São Luís, v. 21, n. 2, mai./ago. 2014. Disponível em: <http://www.periodicoseletronicos.ufma.br/index.php/cadernosdepesquisa/article/view/2768/1570>. Acesso em: 18/maio/2016.

[1] Texto apresentado na disciplina de Epistemologia das Ciências Sociais, ministrada pelo Prof. Dr. André Haguette no Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Estadual do Ceará - UECE.

POR ONDE ANDA A HISTÓRIA?

Francisco Joatan Freitas Santos Júnior¹
(Texto 02)

A História caminha pelas trilhas dos feitos deixados pelos seres humanos ao longo do tempo-espaço. A História anda montada nas abordagens históricas, por isso, nesse texto, faz-se uma descrição das teorias e conceitos específicos de história que desaguam nas abordagens históricas sobre o ensino. No caso do Brasil, elencam-se entre as principais abordagens: historicismo, nova história e marxismo.
O historicismo positivista, segundo Bittencourt (2011, p. 141) tem essa denominação “[...] por basear-se nos princípios da objetividade e da neutralidade no trabalho do historiador”. A crítica ao historicismo foi feita por Cardozo (1988, p. 37-38): “[...] viam nos fatos singulares ou individuais do passado o objeto da História; porém, não lhes atribuíam o caráter de fatos reais, externos ao observador: viam-nos como ‘fatos de pensamento’, como uma criação subjetiva”. O historicismo parte do pressuposto de que o fato histórico é único e não tem possibilidade de repetição no tempo. Sua principal característica é a busca da neutralidade e objetividade do fato-acontecimento, apresentando-se como uma “história verdadeira”.
A Nova História faz uma crítica conceitual ao método tradicional, levanta o papel da hipótese na pesquisa historiográfica, amplia o conceito de documento, cria a ideia de história-problema, debatendo com as outras ciências sociais e provoca uma revolução teórica na historiografia. Entretanto, a própria “[...] expressão Nova História guarda muita semelhança com certas expressões abrangentes, que supostamente possuem um conteúdo definido, mas que se recusam a uma definição precisa.” (SILVA, 2001, p. 200). Afora as críticas de ser comparada a uma “história em migalhas”, a Nova História impactou sobre a forma e o conteúdo do ensino de História e possibilitou ao historiador, mas também ao aprendiz, pensar e refletir sobre sua prática social.
O marxismo como tendência historiográfica teve um impacto muito prático no ensino de História, no período pós-ditadura no Brasil. A influência marxista nas obras, currículos e métodos se reflete na tendencia de parte da sociedade ao questionar os modelos tradicionais de História, embora o desejo da sociedade e dos historiadores nem sempre se coadunem de forma absoluta à realidade social e histórica. Segundo Carr (2002, p. 173): Depois da obra de Marx e Freud, o historiador não tem desculpa para se considerar um indivíduo isolado que se situa fora da sociedade e da história”.
No entanto, o tipo de marxismo aplicado ao ensino de História no Brasil foi considerado por demais ortodoxo e tido como teleológico, mecanicista e a-histórico dada a influencia das correntes próximas ao stalinismo. De acordo com Fonseca (2014, p. 49): “A outra abordagem, tratada por alguns setores da historiografia brasileira, como renovação em currículos e livros de história nos anos 80, já mencionada anteriormente, foi a versão marxista ortodoxa da ‘evolução dos modos de produção’”.
Sem entrar no mérito do problema, pode-se relatar uma tentativa de autocrítica feita por historiadores, recorrendo a E.P. Thompson (1981, p. 12) que denunciou o marxismo ortodoxo de Althusser e pretendeu inaugurar uma renovação conceitual no materialismo histórico, ampliando o conceito de poder para além dos limites e das esferas do Estado, abrindo perspectivas para pensar a realidade em termos de classes sociais e cultura.
A posição de Cardoso (1988, p. 49) traduz um pouco do “espírito” do historiador atual: “A História é, para nós, uma ciência em construção”, porque “[...] a conquista do seu método científico ainda não é completa, que os historiadores ainda estão descobrindo os meios de análise adequados ao seu objeto”. Admitir os limites teóricos é uma forma de avançar nas possibilidades da ciência histórica, além do mais, não se tem a pretensão de esgotar o tema. O problema da História é equivalente ao caminho por onde anda a própria humanidade, mas não é a problemática central desse modesto texto.
Palavras-chaves: História, teoria e abordagem.

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Ensino de história: fundamentos e métodos. 4ª ed. São Paulo: Cortez, 2011.
CARDOSO, Ciro Flamarion. Uma introdução à história. 7ª ed. São Paulo: Editora Brasiliense, 1988.
CARR, Edward Hallet. Que é história? Conferências George Macaulay Trevelyan proferidas por E. H. Carr na Universidade de Cambridge, jan./mar 1961. Tradução Lúcia Maurício de Alverga, revisão técnica Maria Yedda Linhares. 8ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002.
FONSECA, Selva Guimarães. Didática e prática de ensino de história: experiências, reflexões e aprendizados. 13ª ed., rer. E ampl. Campinas, SP: Papirus, 2014.
THOMPSON, E. P. A miséria da teoria ou um planetário de erro: uma crítica ao pensamento de Althusser. Rio: Zahar, 1981.

SILVA, Rogério Forastieri.  História da historiografia: capítulos para uma história das histórias da historiografia. Bauru, SP: EDUSC, 2001.


[1] Texto apresentado na disciplina de Epistemologia das Ciências Sociais, ministrada pelo Prof. Dr. André Haguette no Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Estadual do Ceará - UECE.

quarta-feira, 18 de maio de 2016

O MISTÉRIO DO PONTO DE PARTIDA

Francisco Joatan Freitas Santos Júnior¹
(Texto 01)

Desde os gregos antigos, com poucas exceções, os homens buscaram explicar a realidade pela aparência dos fenômenos, sendo que, no universo desse pensamento, os modelos mitológicos e as reflexões filosóficas se destacaram como formas próprias de explicação da realidade. De forma muito sutil, comentando a influência da força mitológica na relação sujeito-objeto, György Lukács (2010, p. 40) diz: “Basta recordar a força, que atuou por milênios, das representações mágicas sobre aquilo que é o ser”. Mas, qual o ponto de partida da reflexão grega?
Na mitologia, os poetas Homero e Hesíodo, respectivamente, emIlíada e Odisseia, e depois, Teogonia, Trabalhos e Dias, explicavam o modo de vida dos homens pela ingerência e poder dos deuses, embora que, suas explicações se distanciassem uma da outra pelo tempo histórico: “Se em Homero o homem é metrado, dimensionado pelo ver, em Hesíodo o métron, a medida, é oser, isto é, o homem dimensionado pelo trabalho e pela necessidade de ser justo”. (BRANDÃO, 1986, p. 165). Em Homero, o homem entra na História como vencedor ou vencido, como Aquiles ou Heitor, mas em Hesíodo, supostamente, o homem é enaltecido pelo “labor” na sustentação vital da polis. (ARENDT, 2010, p. 101).
Percebe-se em Homero e Hesíodo, nitidamente, uma separação no ponto de partida da reflexão, pois a origem social deles se reflete no conteúdo de suas obras. Enquanto Homero parte da destreza dos heróis e guerreiros da nobreza, Hesíodo expressa sua origem pobre e camponesa da região da Beócia, povoado de Ascra, dimensionando o papel do trabalho na vida dos homens, a partir da valorização da terra e da agricultura. Brandão (1986, p. 164), entende que em Hesíodo, a “lei do trabalho é fundamentada numa razão metafísica, quer dizer, num mito: o mito de Pandora”. Entretanto, condizentes com a época histórica, ambos têm como referência a religiosidade para explicar a realidade humana.
No primeiro, [Homero] o anér, uir, o "herói", que vive à sombra dodeus ex machina, com sua multiplicidade de epítetos (garantia de sua nobreza), o que o afasta do ser. Em Hesíodo, o ánthropos, homo,isto é, o humus, o barro, a argila, o "descendente" de Epimeteu e Pandora, o que ganha a vida duramente com o suor de seu rosto. (BRANDÃO, 1986, p 165).

Homero e Hesíodo se distanciam um do outro pelas diferentes relações sociais construídas em seu tempo-espaço histórico, logo, essas relações se refletem na percepção de suas ações políticas, de forma que, Homero compõe a sua poesia para um mundo aristocrático e voltado para as armas, um mundo nobre e militar, diferentemente de Hesíodo que parece compor para outro público, mais ligado ao trabalho, à natureza e à agricultura.
No imaginário poético grego, correndo o risco de se cometer um anacronismo mitológico, propõe-se uma reinterpretação alegórica do Mito de Pandora, explicado por Hesíodo no mito das Cinco Idades. O poeta explicava a origem dos males humanos pelo viés religioso, a partir de uma vingança de Zeuscontra Prometeu que roubara o fogo e o entregara aos homens.
Supostamente, no Mito de Pandora, a curiosidade feminina foi o artifício dos deuses para liberar os males humanos, representados pelo trabalho, pela dor etc., também poderia ser o mecanismo para a libertação dos seres humanos de sua ignorância, afinal de contas, a “esperança” ficara sequestrada na“caixa” como possibilidade a ser alcançada.
Na alegoria, pensa-se que os males lançados pelos deuses gregos continuariam a ser representados pelo esforço humano de viver pelo trabalho, sendo que, da mesma forma que foram libertados pela curiosidade bela e filosófica de uma mulher, poderiam ser ressignificados como busca do conhecimento, possibilitando ao ser humano se libertar do “temor irracional” representado pela “esperança”.
Na filosofia, ainda de forma alegórica, poder-se-ia considerar a “caixa de Pandora” como similar à problemática de determinar a prioridade existencial entre matéria e espírito, sendo que, a revelação desse mistério poderia significar o “fim dos deuses” ou a libertação da mente humana de todos os misticismos. 
Mas, o segredo da “Caixa de Pandora” não é mais que uma alegoria de um modelo mitológico. Entretanto, do ponto de vista filosófico, o mistério do ponto de partida se reveste do mito das origens que separa os filósofos entre materialistas e idealistas. 

Palavras-chaves: Alegoria, mitologia e filosofia.


BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

ARENDT, Hannah. A condição humana. Tradução Roberto Raposo; revisão técnica: Adriano Correia. 11ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2010. 

BRANDÃO, Junito de Souza. Mitologia grega. Volume1. Petrópolis, RJ: Editora Vozes Ltda., 1986.

LUKÁCS, György. Prolegômenos para uma ontologia do ser social: questões de princípios para ontologia hoje tornada possível. Tradução de Lya Luft e Rodnei Nascimento; supervisão editorial de Ester Vaisman. São Paulo: Boitempo, 2010.


[1] Texto apresentado na disciplina de Epistemologia das Ciências Sociais, ministrada pelo Prof. Dr. André Haguette no Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Estadual do Ceará - UECE.