quinta-feira, 14 de maio de 2020

Da necropolítica à reação popular


A direita pode até desejar, mas são os pobres que necessitam de uma convulsão social para alterar a correlação de forças e se salvar da morte

A expressão máxima da soberania reside, em grande medida, no poder e na capacidade de ditar quem pode viver e quem deve morrer. Por isso, matar ou deixar viver constituem os limites da soberania, seus atributos fundamentais. Exercitar a soberania é exercer controle sobre a mortalidade e definir a vida como a implantação e manifestação de poder. 
[Achille Mbembe]. 

A necropolítica, conforme Achille Mbembe, trata das formas contemporâneas que subjugam a vida ao poder da morte, avançando de forma cruel no Brasil. Os ricos empresários e um governo inacreditável, esforçam-se de todas as maneiras para condenar os pobres, trabalhadores, desempregados, subempregados e populações em situação de rua à exposição ao coronavírus e à morte.

Em nome de salvar CNPJs que “rumam para a UTI”, eles defendem o fim do isolamento social e a contaminação da população pelo vírus letal. A elite faz manifestações em favor da morte, convocando os trabalhadores para voltarem ao “pelourinho”.

O governo federal (um aglomerado de incapazes administrativos e seres cruéis) por sua vez, recusa-se a mudar os rumos de sua política econômica, igualmente assassina, que retirou direitos trabalhistas, acabou com a perspectiva de aposentadoria e jogou milhões de brasileiros no desemprego, subemprego e miséria, provocando aglomeração em filas de bancos por dificultar a entrega de R$ 600.00 de ajuda aos brasileiros.

Para piorar essa situação, esse governo de perigosos “idiotas” está repleto de “terraplanistas” e negacionistas da ciência e da realidade, promovendo todo tipo de ataques e atentados contra o pais, seja cancelando verbas para a pesquisa, seja tentando manter o ENEM em plena pandemia, seja anistiando incendiários e desmatadores da Amazônia ou muitas outras formas de tentar destruir qualquer traço de civilidade que se tenha conquistado a duras penas, numa nação forjada por séculos de extermínio, escravidão e opressão do povo.

No Ceará, o governo estadual junto com a prefeitura municipal de Fortaleza, sinaliza estar na direção oposta ao governo federal, adota o isolamento social, defende a ciência e a civilidade e até distribui botijões de gás e paga algumas contas de água de populações de baixa renda. No entanto, não consegue se dissociar da necropolítica em curso no país e que atinge as camadas mais desassistidas da população.

Aqui, como em todo o país, foram os ricos e a classe média quem contaminaram as populações com suas viagens internacionais e os consumismos globalizados. Mas, são os pobres e periféricos que estão sucumbindo diante da covid-19, aglomerados em filas e ou em barracos de microcômodos, sem fontes de renda, sem proteção governamental e com boletos e contas a pagar, empresas cobrando em ligações ameaçadoras diárias, estão entre a morte por coronavírus e a fome.

Do governo estadual, nenhum sinal da possibilidade de adotar uma renda básica para socorrer a população, embora o governador já disponha de um instrumento adequado para tal fim, o Fundo Estadual de Combate à Pobreza (FECOP). Quanto ao seu aliado, o prefeito de Fortaleza resolveu adotar uma ajuda financeira para os mais necessitados, inacreditáveis R$ 100,00, mais humilhantes do que eficazes.

Tudo isso, faz a necropolítica parecer o produto de uma assustadora cumplicidade entre empresários egoístas e de perfil escravagista, governos insensíveis e superficiais que juntos vão condenando os não privilegiados à contaminação, guetização e morte diante da maior ameaça que a humanidade já enfrentou em toda a sua existência.

O que resta saber é se as classes mais atingidas pela pandemia, seja no campo sanitário, econômico ou social, vão se deixar matar pela necropolítica ou vão reagir e rebelar-se levando o país à convulsão social e ao enfrentamento contra a elite e os seus governos, pois é isso o que se avizinha. Diante de tanta insensibilidade e descaso, por um lado, e crueldade deliberada por outro, resta à população buscar alimento e subsistência por seus próprios meios.

Nos próximos meses, não será surpresa se começar a acontecer saques e expropriações de bens, pelos mais pobres diante do desespero e da fome que poderá atingir ainda mais a população, forçada ao isolamento social e sem proteção alguma dos governos, e ainda, lançada a trabalhar nas empresas-matadouros dos necro-empresários que reduzem salários e cobram produtividade em meio à pandemia.

Diante de uma elite sádica, descontrolada e sanguinária, e de instituições cúmplices e ou acovardadas, a reação popular se torna imperiosa para salvar vidas e repor o mínimo de civilidade necessária à convivência social.

Entretanto, se vier alguma reação ou rebeldia, certamente, serão mais produtos do desespero, da fome e da ação própria dos indivíduos atingidos pela necropolítica do que pela ação consciente dos políticos e intelectuais. Assim, dos movimentos tradicionais e dos partidos da esquerda eleitoral, não se pode esperar nenhuma ação desse tipo, nenhum esforço de organização de qualquer reação que extrapole os limites da solidariedade liberal e da arrecadação de cestas básicas, dos discursos piedosos e alarmistas do parlamento, ou mesmo da comoção diante das notas de repúdio lidas no jornal nacional, além das esperanças sufragistas depositadas nas próximas eleições (que inclusive, nem se sabe se ocorrerão).

Mais do que nunca, as massas excluídas, trabalhadoras, desempregadas, subempregadas e o lúmpen pobre, estarão por contra própria. Terão que cuidar de si próprios e por si mesmos. Dias de Luta virão!

Porf. Joatan Freitas
Movimento Dias de Luta

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