terça-feira, 25 de fevereiro de 2020

Retroescavadeira eleitoral x balas do oportunismo!

Prof. Joatan Freitas
Não, os heróis deles não são os nossos. A violência deles não deve ser aplaudida por nós, não vamos “passar recibo”. Logo que um lado predominar sobre o outro, as balas e retroescavadeiras se voltarão contra nós, não sejamos ingênuos e alvos-fáceis. Mais do que nunca, somos apenas nós por nós mesmos. Nem as oligarquias e nem as forças paramilitares, pois elas jamais vão nos representar. Dias de luta virão! 

Movimento Dias de Luta!


A cena política brasileira não pode se reduzir a ações espetaculares e eleitoreiras de famílias oligárquicas ou de forças paramilitares com atitudes milicianas.

A perspectiva popular não pode ser por escavadeiras justiceiras em mãos de famílias tradicionais da política e, muito menos, pela violência paramilitar que apavora a sociedade, que toma pela força o protagonismo político, as estruturas e os espaços públicos. São dois lados de um mesmo cenário autoritário que em nada beneficia a população, as juventudes, os trabalhadores e as comunidades periféricas.

Há muito tempo, os grupos políticos que incentivam as atitudes paramilitares “esticam a corda” e ameaçam os valores sociais. Basta verificar as notícias na imprensa, desde a formação da “bancada da bala” em Brasília, dos programas policiais sensacionalistas, da chacina da Messejana em Fortaleza, além das mortes suspeitas de mulheres, crianças e adolescentes nas grandes periferias do país. Sem falar no assassinato de Marielle Franco no Rio de Janeiro, na chacina de vários jovens num baile funk em São Paulo e na morte suspeita do miliciano Adriano da Nóbrega, na Bahia. Nada disso é devidamente investigado pelas instituições do Estado. A “corda esticada” do autoritarismo só provoca violência, portanto, a retroescavadeira eleitoreira é uma das reações à ação paramilitar intimidadora.

Sobre as reivindicações dos policiais, a categoria em estado de greve solicitou ao governo Camilo Santana a abertura de negociações para um aumento salarial. Sabe-se que o governo concedeu o aumento em consenso com as associações de policiais. Os descontentes recusaram o reajuste acordado e deram início ao movimento grevista na forma de amotinamento, colocando em sério risco a população, não só pela falta dos serviços prestados, mas pelos métodos milicianos de pressão adotados, ainda mais, quando se dizem trabalhadores em greve pelos seus direitos. Como esperavam o apoio da população? Amedrontando com armas nas mãos as pessoas para chantagear o governo?

Nesse sentido, tentar achar trigo nessa plantação de joio é um exercício inútil. Forças repressivas não são categorias trabalhistas moralmente reconhecíveis por quem luta por emancipação social. Descontadas as devidas proporções históricas, seria como escravos se solidarizando com um motim de feitores e capitães do mato por melhores condições de exercer suas profissões nefastas.

No Estado de direito, por outro lado, a sociedade não delegou ao cidadão Cid Gomes o papel de mediador, nem lhe autorizou a desocupar o prédio tomado pelos invasores. Em que pese a justa solidariedade ao Senador pelo absurdo do acontecido, isto foi uma atitude arrogante e irresponsável dele, carregada de intenções eleitoreiras que o seu grupo resolveu protagonizar. É óbvio que ele não deveria passar uma retroescavadeira sobre aqueles que estavam “tocando o terror” nas ruas e nem esses indivíduos deveriam sair atirando nele ou em qualquer outra pessoa. Assim, ambos põem em risco as regras institucionais e, principalmente, criam uma “cortina de fumaça” na luta popular por uma sociedade democrática, plural e socialista.

Não se trata de quem está certo ou errado, ou de quem está menos certo ou menos errado. Os dois lados estão errados, estão pondo em risco a população nas suas ambições pelo poder. Exploram o medo e o desespero das pessoas, buscando o protagonismo político e a polarização para tirar disto os dividendos eleitorais. Os dois lados colocam em perigo a sociedade e aprofundam o extraordinário estado de anomia que se alastra pela nação.

Não se deve entrar nesse vale-tudo eleitoral. É preciso ser mais humano e racional do que isto, embora os conceitos de humanidade e racionalidade estejam, no momento, bastante desgastados. Entre a truculência da tradicional família Gomes e as atitudes paramilitares dos encapuzados, deve-se construir uma opção popular, mesmo que essa ainda não esteja disponível. É preferível construí-la do que embarcar nessa aparente polarização que está mais para o tilintar de uma mesma moeda a revelar as suas duas faces, ao mesmo tempo, autoritárias e oportunistas.

E, pelo andar da retroescavadeira, para quem preferir assim, muitas outras aberrações desse tipo virão, pois todos abriram mão da institucionalidade, convenções e civilidades, e das regras acordadas para fundarem o seu próprio vale-tudo. Mas, isso não foi invenção original dos pilotos de retroescavadeiras ou dos encapuzados locais. Esse jogo político sem regras claras que no passado beneficiou as elites, foi resgatado nas campanhas “não vai ter copa” e “Fortaleza apavorada”, nas agressões misóginas, sexistas e machistas de setores da classe média contra Dilma, e no processo de impeachment que legalizou o golpe de 2016. Nutriu-se também nos desmandos inconstitucionais da lava-jato, consolidou-se na eleição de um governo moralmente deplorável que soube catalisar toda a ignorância e sociopatia da nação. E agora, esse jogo busca se federalizar, tomando todos os espaços de contendas políticas nos estados, municípios e comunidades.

A continuar assim, não só Fortaleza terá a sua eleição disputada entre balaclavas, tiros e retroescavadeiras. Essa prática grotesca do vale-tudo poderá se espalhar por todos os lugares e não faltará quem se disponha a tomar “na marra” esta ou aquela prefeitura, pelos rincões de um Brasil atônito. É, segundo Naomi Klein (2008), A doutrina do choque aplicada a um país, por enquanto, indefeso e vulnerável. Esta, é uma perceptível consequência do protagonismo da retroescavadeira da família Gomes em reação ao oportunismo eleitoreiro do capitão dos motins.

Onde está a base racional capaz de conter tal barbárie? Não está no Executivo nacional que potencializou o vale-tudo contra o pensamento contraditório e contra as instituições. Não está no Parlamento que votou contra os direitos dos trabalhadores, da classe média e dos pobres da nação. Não está no Judiciário que se converteu em instrumento da elite para combater os seus adversários internos e externos. E não está em qualquer um que aposte nesse mesmo método como forma de superar o trágico e caótico momento que o país atravessa. Mas, poderá estar na força popular, democrática e coletiva dos povos criativos, trabalhadores, juventudes, periferias e sertões, como expressão dos novos tempos que sempre chegam ao amanhecer!

Em alguns momentos da história, os povos até adotaram uma pseudo “destruição criativa” como parteira dos novos tempos, como foi o caso da Revolução Francesa, da Revolução Russa e da Independência Americana. Em todo caso, esse salto qualitativo foi muito traumático e, no incêndio geral, não houve garantias de controle do processo ou que alguém saísse ileso. Na real, o fogo contra fogo pode incinerar a sociedade brasileira e, na atual conjuntura, sem racionalidade coletiva e estratégica, é muito provável que só os não-privilegiados sejam cremados.

Retroescavadeiras são admissíveis se pilotadas de formas criativas pelas classes oprimidas para destruir as barreiras sociais, muito diferente da destruição causada por oligarquias ou paramilitares que fazem de tudo para manter o poder político conservador. Essas forças não visam destruir estruturas que exploram e oprimem os trabalhadores. Elas defendem essas estruturas. Querem demolir apenas algumas barricadas erguidas por adversários numa guerra intestina para definir quem fica com o chicote. Elas não querem demolir as bases capitalistas da opressão e arrancar das mãos do opressor o chicote, a retroescavadeira ou o cassetete.  A melhor opção é construir um movimento baseado na racionalidade coletiva e na reserva moral necessárias para apontar outros caminhos, muito além do imediatismo eleitoral da “estação do inferno”.

Ao se tratar das eleições 2020, entretanto, deve-se construir uma saída pela esquerda, podendo ter várias faces de acordo com o local e o contexto. No Rio de Janeiro, essa saída pode vir das articulações de Marcelo Freixo e no Rio Grande do Sul pode vir da candidatura de Manuela. Em Fortaleza, pode ser a candidatura de Luizianne Lins numa perspectiva mais à esquerda. No mais, essas alternativas precisam saber catalisar a força racional, a pujança moral e a radicalidade dos lutadores sociais do povo, em programas que fortaleçam a democracia, a diversidade e o direito à cidade.

A saída não deve ser apenas eleitoral, deve ser pela mobilização popular e radicalização de novos métodos e reivindicações sociais. Os agentes criativos devem agir dentro e fora da institucionalidade, em todos os fronts, em especial, naqueles que mais se aproximam da população, nas lutas e comunidades periféricas. Nesses tempos tão perigosos, precisam andar em bandos, ser mais coletivos do que nunca, formular e executar novos planos, novos estratagemas para direcionar as retroescavadeiras contra as barricadas oligárquicas e paramilitares. Um quadro real muito difícil de se compreender, mas essa consciência é fundamental para a resistência prática dos atores sociais criativos.

Prof. Joatan Freitas

Doutorando em Educação (UECE). Mestre em Educação (UECE). Graduado em História (UECE). Especialista em Ensino de História (FFB). Professor de História (SEDUC-CE). Coordenador do Movimento Dias de Luta.


Nenhum comentário: