Prof. Joatan Freitas |
Não, os heróis deles não são os nossos. A violência
deles não deve ser aplaudida por nós, não vamos “passar recibo”. Logo que um
lado predominar sobre o outro, as balas e retroescavadeiras se voltarão contra
nós, não sejamos ingênuos e alvos-fáceis. Mais do que nunca, somos apenas nós por
nós mesmos. Nem as oligarquias e nem as forças paramilitares, pois elas jamais
vão nos representar. Dias de luta virão!
Movimento Dias
de Luta!
A perspectiva popular não pode ser por
escavadeiras justiceiras em mãos de famílias tradicionais da política e, muito
menos, pela violência paramilitar que apavora a sociedade, que toma pela força
o protagonismo político, as estruturas e os espaços públicos. São dois lados de
um mesmo cenário autoritário que em nada beneficia a população, as juventudes,
os trabalhadores e as comunidades periféricas.
Há muito tempo, os grupos políticos que
incentivam as atitudes paramilitares “esticam a corda” e ameaçam os valores sociais. Basta verificar as notícias na imprensa, desde a formação da
“bancada da bala” em Brasília, dos programas policiais sensacionalistas, da
chacina da Messejana em Fortaleza, além das mortes suspeitas de mulheres,
crianças e adolescentes nas grandes periferias do país. Sem falar no
assassinato de Marielle Franco no Rio de Janeiro, na chacina de vários jovens num
baile funk em São Paulo e na morte suspeita do miliciano Adriano da Nóbrega, na
Bahia. Nada disso é devidamente investigado pelas instituições do Estado. A
“corda esticada” do autoritarismo só provoca violência, portanto, a
retroescavadeira eleitoreira é uma das reações à ação paramilitar intimidadora.
Sobre as reivindicações dos policiais, a
categoria em estado de greve solicitou ao governo Camilo Santana a abertura de negociações
para um aumento salarial. Sabe-se que o governo concedeu o aumento em consenso
com as associações de policiais. Os descontentes recusaram o reajuste acordado e
deram início ao movimento grevista na forma de amotinamento, colocando em sério
risco a população, não só pela falta dos serviços prestados, mas pelos métodos milicianos
de pressão adotados, ainda mais, quando se dizem trabalhadores em greve pelos
seus direitos. Como esperavam o apoio da população? Amedrontando com armas nas
mãos as pessoas para chantagear o governo?
Nesse sentido, tentar achar trigo nessa
plantação de joio é um exercício inútil. Forças repressivas não são categorias
trabalhistas moralmente reconhecíveis por quem luta por emancipação social. Descontadas
as devidas proporções históricas, seria como escravos se solidarizando com um
motim de feitores e capitães do mato por melhores condições de exercer suas
profissões nefastas.
No Estado de direito, por outro lado, a
sociedade não delegou ao cidadão Cid Gomes o papel de mediador, nem lhe
autorizou a desocupar o prédio tomado pelos invasores. Em que pese a justa solidariedade ao Senador pelo absurdo do acontecido, isto foi uma atitude arrogante
e irresponsável dele, carregada de intenções eleitoreiras que o seu grupo
resolveu protagonizar. É óbvio que ele não deveria passar uma retroescavadeira
sobre aqueles que estavam “tocando o terror” nas ruas e nem esses indivíduos
deveriam sair atirando nele ou em qualquer outra pessoa. Assim, ambos põem em
risco as regras institucionais e, principalmente, criam uma “cortina de fumaça”
na luta popular por uma sociedade democrática, plural e socialista.
Não se trata de quem está certo ou errado,
ou de quem está menos certo ou menos errado. Os dois lados estão errados, estão
pondo em risco a população nas suas ambições pelo poder. Exploram o medo e o
desespero das pessoas, buscando o protagonismo político e a polarização para
tirar disto os dividendos eleitorais. Os dois lados colocam em perigo a
sociedade e aprofundam o extraordinário estado de anomia que se alastra pela
nação.
Não se deve entrar nesse vale-tudo
eleitoral. É preciso ser mais humano e racional do que isto, embora os
conceitos de humanidade e racionalidade estejam, no momento, bastante
desgastados. Entre a truculência da tradicional família Gomes e as atitudes
paramilitares dos encapuzados, deve-se construir uma opção popular, mesmo que
essa ainda não esteja disponível. É preferível construí-la do que embarcar
nessa aparente polarização que está mais para o tilintar de uma mesma moeda a
revelar as suas duas faces, ao mesmo tempo, autoritárias e oportunistas.
E, pelo andar da retroescavadeira, para
quem preferir assim, muitas outras aberrações desse tipo virão, pois todos abriram
mão da institucionalidade, convenções e civilidades, e das regras acordadas
para fundarem o seu próprio vale-tudo. Mas, isso não foi invenção original dos
pilotos de retroescavadeiras ou dos encapuzados locais. Esse jogo político sem
regras claras que no passado beneficiou as elites, foi resgatado nas campanhas
“não vai ter copa” e “Fortaleza apavorada”, nas agressões misóginas, sexistas e
machistas de setores da classe média contra Dilma, e no processo de impeachment
que legalizou o golpe de 2016. Nutriu-se também nos desmandos inconstitucionais
da lava-jato, consolidou-se na eleição de um governo moralmente deplorável que
soube catalisar toda a ignorância e sociopatia da nação. E agora, esse jogo busca
se federalizar, tomando todos os espaços de contendas políticas nos estados,
municípios e comunidades.
A continuar assim, não só Fortaleza terá
a sua eleição disputada entre balaclavas, tiros e retroescavadeiras. Essa
prática grotesca do vale-tudo poderá se espalhar por todos os lugares e não
faltará quem se disponha a tomar “na marra” esta ou aquela prefeitura, pelos
rincões de um Brasil atônito. É, segundo Naomi Klein (2008), A doutrina do choque aplicada a um país,
por enquanto, indefeso e vulnerável. Esta, é uma perceptível consequência do
protagonismo da retroescavadeira da família Gomes em reação ao oportunismo
eleitoreiro do capitão dos motins.
Onde está a base racional
capaz de conter tal barbárie? Não está no Executivo nacional que potencializou
o vale-tudo contra o pensamento contraditório e contra as instituições. Não está
no Parlamento que votou contra os direitos dos trabalhadores, da classe média e
dos pobres da nação. Não está no Judiciário que se converteu em instrumento da
elite para combater os seus adversários internos e externos. E não está em
qualquer um que aposte nesse mesmo método como forma de superar o trágico e caótico
momento que o país atravessa. Mas, poderá estar na força popular, democrática e
coletiva dos povos criativos, trabalhadores, juventudes, periferias e sertões,
como expressão dos novos tempos que sempre chegam ao amanhecer!
Em alguns momentos da história, os povos
até adotaram uma pseudo “destruição criativa” como parteira dos novos tempos,
como foi o caso da Revolução Francesa, da Revolução Russa e da Independência
Americana. Em todo caso, esse salto qualitativo foi muito traumático e, no
incêndio geral, não houve garantias de controle do processo ou que alguém saísse
ileso. Na real, o fogo contra fogo pode incinerar a sociedade brasileira e, na
atual conjuntura, sem racionalidade coletiva e estratégica, é muito provável
que só os não-privilegiados sejam cremados.
Retroescavadeiras são admissíveis se
pilotadas de formas criativas pelas classes oprimidas para destruir as barreiras
sociais, muito diferente da destruição causada por oligarquias ou paramilitares
que fazem de tudo para manter o poder político conservador. Essas forças não
visam destruir estruturas que exploram e oprimem os trabalhadores. Elas
defendem essas estruturas. Querem demolir apenas algumas barricadas erguidas
por adversários numa guerra intestina para definir quem fica com o chicote. Elas
não querem demolir as bases capitalistas da opressão e arrancar das mãos do
opressor o chicote, a retroescavadeira ou o cassetete. A melhor opção é construir um movimento
baseado na racionalidade coletiva e na reserva moral necessárias para apontar outros
caminhos, muito além do imediatismo eleitoral da “estação do inferno”.
Ao se tratar das eleições
2020, entretanto, deve-se construir uma saída pela esquerda, podendo ter várias faces de
acordo com o local e o contexto. No Rio de Janeiro, essa saída pode vir das articulações
de Marcelo Freixo e no Rio Grande do Sul pode vir da candidatura de Manuela. Em
Fortaleza, pode ser a candidatura de Luizianne Lins numa perspectiva mais à
esquerda. No mais, essas alternativas precisam saber catalisar a força
racional, a pujança moral e a radicalidade dos lutadores sociais do povo, em
programas que fortaleçam a democracia, a diversidade e o direito à cidade.
A saída não deve ser apenas eleitoral,
deve ser pela mobilização popular e radicalização de novos métodos e
reivindicações sociais. Os agentes criativos devem agir dentro e fora da
institucionalidade, em todos os fronts,
em especial, naqueles que mais se aproximam da população, nas lutas e comunidades
periféricas. Nesses tempos tão perigosos, precisam andar em bandos, ser mais
coletivos do que nunca, formular e executar novos planos, novos estratagemas para
direcionar as retroescavadeiras contra as barricadas oligárquicas e paramilitares.
Um quadro real muito difícil de se compreender, mas essa consciência é fundamental
para a resistência prática dos atores sociais criativos.
Prof.
Joatan Freitas
Doutorando
em Educação (UECE). Mestre em Educação (UECE). Graduado em História (UECE). Especialista
em Ensino de História (FFB). Professor de História (SEDUC-CE). Coordenador do Movimento Dias de Luta.
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