quinta-feira, 19 de março de 2020

Coronavírus, quem vai sobreviver?


Como ficará a periferia, a vida dos pobres e dos não-privilegiados?

Uma pandemia fantasmagórica ronda o mundo. O Coronavírus aparece inicialmente na China, passa para a Itália e se espalha pela Europa, avança pelos continentes e ameaça a vida de milhares de pessoas. No Brasil, a transmissão é passada de um lado para o outro, principalmente por pessoas das elites e classes médias que têm a condição de viajar para a Europa, Estados Unidos e outras regiões onde a doença já se encontra disseminada. Porém, num país com um dos mais altos índices de desigualdades no planeta, o que nos assusta e nos mobiliza é a perspectiva desse vírus chegar às populações mais vulneráveis.

Em caso de calamidade pública, o Estado poderia subsidiar as pequenas e microempresas, além de punir as grandes corporações que se aproveitassem ilegal e imoralmente da situação. Entretanto, nem a crise do subprime americana em 2008, nem o desmoronamento atual das Bolsas de Valores, fizeram os governos brasileiros repensarem o modelo neoliberal que protege o lucro dos grandes capitalistas e abandona as pessoas simples à própria sorte e ao desespero.

No caso do Ceará, um estado vulnerável e um dos mais pobres do país, marcado por grandes desigualdades sociais e econômicas, algumas pessoas que fazem parte das classes médias e ricas, terão melhores condições de sobrevivência, pois têm recursos econômicos ou influência social e política. Essas pessoas poderão sofrer, mas também terão maiores possibilidades de enfrentar a pandemia.

Mas, como ficarão os mais pobres, as pessoas nas periferias, favelas, comunidades, sertões ou interiores, os menos privilegiados, os excluídos, os abandonados à própria sorte? Como ficarão as pessoas que não têm dinheiro para comprar o álcool gel e o papel higiênico? Como ficarão os moradores em situação de rua, os desempregados, os mendigos, os jovens pretos e pobres amontoados nos presídios e casas socioeducativas? Como ficará esse enorme contingente de desvalidos sociais? Será deixado para morrer sem proteção, sem comida, sem cuidados e sem oxigênio? O Sistema Único de Saúde (SUS) alcançará essas pessoas? O SUS será suficiente? Que tipo de plano está sendo pensado pelo governo federal, estados e prefeituras para proteger essas pessoas?

Em Fortaleza, milhares de pessoas são imprensadas em ônibus lotados nas idas e vindas para o trabalho e na vida cotidiana. O que nos inquieta e preocupa, e deveria preocupar a toda a sociedade, é a condição social dos trabalhadores e da população em situação de rua. Sem a proteção do Estado, muitos desses seres humanos podem não sobreviver ao Coronavírus. É preciso um plano que os leve em consideração, que os entenda inclusive como prioridade. Não seremos mais humanos do que o vírus se não nos voltarmos para o cuidado com os mais vulneráveis, com quem mais precisa do Estado, da sociedade e da nossa empatia e solidariedade. Como os mais pobres irão sobreviver? Como ir para além da caridade? O que fazer?

Pensando nessas pessoas, sugerimos aos poderes públicos algumas medidas emergenciais para o enfrentamento dessa pandemia:

- Cancelamento imediato da Emenda do Teto dos Gastos Públicos que limita as despesas do governo brasileiro com saúde, educação e políticas sociais durante 20 anos; 
- Subsídio de um salário mínimo para os desempregados e subempregados, os idosos não-aposentados e as pessoas em situação de rua ou que não possam trabalhar; 
- Investimentos públicos em saúde, educação, cultura e primeiro emprego aos jovens através de Frentes Criativas de Trabalho para quando a pandemia recuar; 
- Anistia das dívidas com água, luz e internet de pessoas assalariadas, desempregadas e subempregadas (trabalhadores de aplicativos e autônomos); 
- Suspensão da cobrança de água, luz e internet para assalariados, desempregados e subempregados até o fim da crise global do Coronavírus; 
- Mapeamento das pessoas em situação de rua e das suas condições de saúde, com distribuição gratuita de álcool gel, papel e toalhas higiênicas; garantia de alimentação, higiene e tratamento hospitalar; 
- Criação de unidades móveis para exame e atendimento em casos suspeitos de Coronavírus nas periferias das cidades; 
- Libertação monitorada de presos sem condenação, presos provisórios e praticantes de crimes não hediondos e sem maior gravidade; 
- Montagem de equipes para exames e tratamento nas unidades prisionais e abrigos socioeducativos, visando atender às populações carcerárias ou restritas de liberdade;

A periferia não pode ser entregue à própria sorte diante dessa catástrofe. O poder público terá que repartir os cuidados e a proteção social oferecida à classe média e a elite com os não privilegiados, os excluídos e os periféricos, ou essa pandemia vai acabar no maior genocídio já visto no Brasil desde que os colonizadores desembarcaram por aqui. Nesse sentido, o Coronavírus ameaça também o que nos faz humanos, a nossa própria humanidade. Rebelemo-nos, sejamos verdadeiramente humanos e solidários!

Prof. Joatan Freitas
Doutorando em Educação pela Universidade Estadual do Ceará/UECE. Ex-integrante da Coordenação de Direitos Humanos do Governo do Estado do Ceará. Coordenador do Movimento Dias de Luta.

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