quarta-feira, 27 de julho de 2016

NO LIMIAR DO FATO HISTÓRICO

Francisco Joatan Freitas Santos Júnior¹
 (Texto 07)

Toda ciência precisa determinar o seu objeto de estudo. No caso da História, o objeto se encontra numa indefinição conceitual, marcado por disputas com as ciências sociais e entre as próprias expressões historiográficas. Mas, segundo Popper (1982, p. 55): “Não há fontes últimas do conhecimento. Toda fonte, todas as sugestões são bem-vindas; e todas as fontes e sugestões estão abertas ao exame crítico”.
Glénisson (1983) apresenta o objeto da pesquisa histórica a partir de uma separação didática: objeto intelectual identificado como fato histórico e objeto material, referindo-se ao documento. No entanto, é muito estranha essa dicotomia entre objeto intelectual e material, pois, um objeto intelectual sem prova de materialidade é pura especulação metafísica, como também é insuficiente o argumento de que objeto intelectual e material seja a mesma coisa, numa representação exata.
Destarte, considere-se que o objeto intelectual da História é o fato histórico.  Mas como defini-lo?  Por que razões é um fato histórico?  O fato existe no documento? Em que medida? Existe diferença entre documento e fonte histórica? Não pretendemos estabelecer respostas fechadas, mas apenas dúvidas reflexivas.
A resposta dos pesquisadores, desde o século XIX, tem passado da certeza do positivismo científico à dúvida do relativismo, de forma que o conceito parece indeterminado, pra não dizer confuso. Diz Glénisson, (1983, p. 124-125): “Deveras, o que se entende comumente por ‘fatos históricos’, são os fenômenos materiais, as coisas que acontecem aos homens: os acontecimentos”. Já os historiadores positivistas, Langlois e Seignobos defendem que o fato histórico é a “matéria-prima da História”, e assim, classificam-no em “fatos materiais conhecidos pelos sentidos (condições materiais: atos dos homens) e fatos de natureza psíquica (sentimentos, ideias, impulsos), acessíveis somente à consciência” (GLÉNISSON, 1983, p. 126).
Nos ditames das ciências naturais, para um fato receber a alcunha de científico, precisaria ser “suscetível de repetição”, testado em laboratório ou que pudesse ser controlado experimentalmente. Porém, por suas dimensões e imprevisibilidade, é muito improvável que um fato possa ser reconstruído em laboratório, parecendo deslizar entre a sua objetividade e a subjetividade do historiador, como se pairasse num limbo metafísico do estudo teórico.
Popper (1974, p. 39), sobre a lógica do conhecimento e a crítica aos dogmatismos reconhece: “Admito, com sinceridade que, ao formular minhas propostas, fui guiado por juízos de valor e por algumas predileções de ordem pessoal”. Assim, neste ambiente de quase “pecado subjetivo”, precisamos determinar as qualidades do fato e identificar sua importância.
“O fato histórico é um fato social”.  Eis o que já pretendia demonstrar LévyBruhl.  “Merecerá”, escreve ele, “a qualificação de fato histórico, todo fato passado tal como se refletir na consciência coletiva, e a importância histórica destes fatos medir-se-á pela importância que tiveram na sequencia dos fatos da mesma ordem.” (GLÉNISSON, 1983, p. 129).

Dessa forma, mesmo que todo fato seja histórico, por ser constituinte de reflexão e ação humana, dificilmente ele será uniforme em seu valor e importância. O historiador terá que fazer escolha e correr o risco subjetivo no exame dos fatos, independente do critério que utilizar, seja cronológico, quantitativo ou de qualidade. O historiador é alguém que faz escolhas entre fatos primários e secundários, de acordo com a afirmação de Carr (2002, p. 48): “O historiador é necessariamente um selecionador”, significando que os fatos secundários não são descartáveis, mas cumprem papéis diferentes no processo de registro histórico.
O fato histórico enquanto objeto de estudo expressa um elemento de constituição da possibilidade científica da História, coadunando-se com a afirmação de Hamdlin (1982, p. 109): “Toda fonte é primária com respeito ao momento no qual foi feita ou escrita; e nenhuma é fidedigna exceto para os assuntos dos quais ela fornece o registro”. No exercício de pensar a História damos um passo teórico de cada vez, pois assim caminha o historiador.
Palavras-chaves: História, fato histórico e conhecimento.
BIBLIOGRAFIA
CARR, Edward Hallet. Que é História? Conferências George Macaulay Trevelyan proferidas por E. H. Carr na Universidade de Cambridge, janeiro-março de 1961.  Tradução Lúcia Maurício de Alverga, revisão técnica Maria Yedda Linhares.  8ª edição. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002.
GLÉNISSON, Jean. Iniciação aos Estudos Históricos. 4ª edição. São Paulo: DIFEL, 1983.
HANDLIN, Oscar. A verdade na história. Tradução de Luciana Silveira de Aragão e Frota e Yone Dias Avelino; Revisão José Eduardo Ribeiro Moretzsohn. São Paulo: Martins Fontes [Brasília]. Ed. Universidade de Brasília, 1982.
POPPER, K.R. A lógica da pesquisa científica. São Paulo: Ed. CULTRIX, 1974.

_______. Conjecturas e refutações. Brasília: Ed. UNB, 1982. 

[1] Texto apresentado na disciplina de Epistemologia das Ciências Sociais, ministrada pelo Prof. Dr. André Haguette no Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Estadual do Ceará - UECE.

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